Enrola ou Estica?

novembro 07, 2017




Hoje o papo é um relato pessoal. Bora falar sobre transição capilar?


Eu fiz química no cabelo durante 3 anos. Decidi começar porque queria fazer um corte chamado "channel de bico" com franja, que estava super em alta na época. Só que assim que eu manifestei o meu interesse, todo mundo começou a dizer para mim que volume demais era feio, que eu não conseguiria "domar" os fios, que o cabelo ia perder definição, que cabelo curto só fica bonito em quem tem cabelo liso, que cabelo cacheado e franja não tem nada a ver... Eram tantos argumentos contra manter meus cachinhos que tive medo de cortar e ficar horrorosa.

Eu tinha 16 anos na época. Fiz a tal "escova marroquina" e cortei como tanto queria. A vista ardeu um pouco, a garganta também e, mesmo depois de lavar o cabelo, ele não podia encostar nos meus olhos porque isso os fazia arder e chorar sem parar. Mas o volume estava controlado, o cabelo brilhava como nunca e eu nem precisava pentear os fios ao acordar. Era a praticidade que eu precisava, porque o ensino médio estava acabando, eu ia começar a faculdade à noite e queria trabalhar pela manhã. Não dava para perder tempo todos os dias arrumando o cabelo. Para mim estava tudo perfeito.

Repeti a escova marroquina mais vezes até que, em dezembro de 2012, decidi testar a famosa "escova inteligente". Cortei o cabelo ainda mais curto e saí do salão me sentindo linda, apesar de ter pedido duas vezes ao cabeleireiro para parar por um momento porque eu não estava aguentando a ardência nos olhos, no nariz e na garganta durante o processo. O cabelo brilhava incrivelmente e não desarrumava em nenhuma situação, então para quê eu iria reclamar, não é? 

Mas aos poucos as consequências foram aparecendo. Não importava mais quantas hidratações eu fazia, NADA ajudava meu cabelo a parar de quebrar. Ele foi perdendo o brilho e afinando cada vez mais. Fui parando de escovar e pranchar sozinha em casa porque o cabelo simplesmente não aguentava mais o calor e ficava ainda mais danificado. A contragosto, decidi que o melhor seria parar de alisar por algum tempo. 

Deixei ele crescer normalmente (nunca demorou tanto!) e segui fazendo hidratações, usando cremes de reconstrução e nutrição, cortando só as pontinhas quando ia ao salão. Vi meu cabelo ficar completamente sem forma, usei-o preso inúmeras vezes, me senti feia em vários momentos. Mas também fui notando meu cabelo ficar forte novamente, recuperar o brilho natural ainda que o frizz parecesse incontrolável. 

Continuei deixando crescer e cortando as pontinhas aos poucos. Alisava esporadicamente para uma festa ou evento especial porque demorou muito para o meu cabelo recuperar seu formato original (ele ficava indefinido de verdade.), mas sempre sem química. Até que, no início de 2015, descobri o cronograma capilar. Ele contribuiu muito, em pouquíssimo tempo, para recuperar os danos que ainda eram bem evidentes no meu cabelo, mas eu ainda não me sentia 100% confortável em manter os cachos. Na minha cabeça, assim que os fios estivessem recuperados eu voltaria a alisar, só que com métodos menos agressivos tanto para a minha saúde quanto para o meu cabelo. 

Foi nessa época que ouvi falar pela primeira vez sobre Transição Capilar. 

Assisti e li diversos depoimentos como este aqui e notei que duas coisas eram comuns a todos eles: necessidade de aceitação social e dificuldade de enxergar beleza em si mesma ao olhar no espelho. O medo de se sentir feia, o desejo de se encaixar em um padrão europeu e a suposta tranquilidade em não ouvir comentários do tipo "seu cabelo é ruim" e "seu cabelo é duro", levam muitas pessoas à realização de processos químicos para alisar os fios. Foi aí que eu entendi que nunca tinha sido uma decisão exclusivamente minha. Eu escolhi alisar porque tive medo de ficar feia com o meu cabelo natural e cedi às expectativas e pressões das pessoas à minha volta. Tive medo de sofrer com o deboche dos outros, de desafiar um padrão. Sozinha eu jamais teria conseguido enxergar. Precisei ler e ouvir outras pessoas que passaram por isso para ser capaz de pensar sobre o assunto. 

Com isso, além do cronograma capilar, adotei também o Low Poo, que é uma técnica de cuidado dos fios menos agressiva, pois não inclui a utilização de derivados de petróleo (entre outras substâncias) e, consequentemente, também não inclui o uso de sulfatos fortes, que acabam por deteriorar demais o cabelo a longo prazo. O resultado foi muito rápido. Em menos de dois meses eu já tinha o controle total do meu cabelo: definição, volume, frizz... E tudo isso gastando menos de meia hora por dia, com produtos que custam menos de R$20,00. Ou seja, tudo o que eu procurava quando decidi alisar o cabelo eu consegui com os meus cachos. Inclusive cortar curtíssimo e ficar linda.

Sim, porque eu não me contentei em ficar com o cabelo bonito e grande. Eu precisava mostrar para mim mesma que poderia sim ficar linda com meu cabelo natural e curto. Então, em dezembro de 2015, cortei os cabelos novamente. Tirei exatos 30cm (os quais doei) e fiz franja, corte em camadas, picote nas pontas... Tudo o que todo mundo sempre me disse que um cabelo cacheado não poderia suportar eu fiz.  E fiquei linda. Olhei no espelho e sorri imensamente porque entendi que a beleza não estava no meu couro cabeludo, nem na minha raiz. Ela está DENTRO de mim e não tem que depender de um padrão, porque isso apaga parte de quem eu sou de verdade. 

Você vai me ver de cabelo liso vez por outra (beeeeeem vez por outra mesmo), mas agora os MOTIVOS são diferentes: às vezes eu só quero mudar um pouquinho, sair da rotina, aparecer diferente em algum lugar. Outras vezes eu apenas preciso acordar, por algum motivo especial, sem a necessidade de pentear o cabelo ou passar um creme. Mas nunca mais usei química, nunca mais alisei por achar que eu não sou linda ao natural, nunca mais estiquei os cachinhos por pressão social. Agora é por vontade MINHA, por decisão MINHA e consigo me aceitar das duas formas do mesmo jeito. 


Se você é cacheada e alisa o cabelo, não pense que este post é uma crítica a quem faz isso. O que eu quero fazer todo mundo refletir é o MOTIVO que leva as pessoas a optarem por mudar algo na sua aparência, não o ato em si. No meu caso, assumir meu cabelo natural representou a libertação de algumas amarras e o enfrentamento de tabus que me limitavam e me intoxicavam. O seu caso pode não ser esse e tudo bem também, porque ninguém é igual e eu não estou aqui para defender um novo padrão. Quero apenas que você seja capaz de optar por aquilo que realmente te faz bem e feliz de verdade (e não porque outra pessoa de fora te disse é melhor para você). 



Afinal, você é linda. Nunca deixe de acreditar nisso. 


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2 comentários

  1. Sei muito bem como é difícil a transição, assumir o cabelo natural. Quando fiz o BC sai do salão quase que tremendo. Mesmo com todas as pessoas do salão falando de como ficou bonito, pra você achar bonito ainda leva um tempo. E mesmo com todos os meus amigos adorando o novo cabelo e dizendo cono ficou legal e que combinou comigo, e eu mesma me achando bonita, ainda tem bastante gente que fala pra eu alisar de novo. A chave é fazer o que você quer e se preparar pra ouvir críticas, pq ainda tem muita gente que, infelizmente, vai tentar te diminuir por isso.

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    1. Não cheguei a fazer o BC, mas conviver com o cabelo na transição é difícil. Se aceitar 100% depois também é complicado, porque sempre tem quem fique enchendo o saco dizendo para você voltar ao que fazia antes. Essas pessoas não ligam para a sua saúde nem para o seu estado emocional. Ignorá-las é o primeiro passo para se aceitar melhor.

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