Sobre amar e cuidar

novembro 06, 2017



Quando alguém que conhecemos começa a apresentar sintomas de depressão, a primeira coisa que a maioria das pessoas pensa é: vai passar. É só uma fase ruim.

Só que não é uma fase. E não passa assim depressa. Aliás, não passa porque não tem cura. Tem acompanhamento, tem evolução positiva e uma vida normal é perfeitamente possível e alcançável, mas não tem como afirmar que uma recaída não irá acontecer. Um simples descuido e tudo pode voltar à estaca zero.

Talvez o grande desafio de quem convive com alguém que desenvolve uma depressão seja se acostumar ao novo "eu" que a doença impõe a quem está em volta. Aquela pessoa agitada, saltitante, ativa, super vaidosa e alto astral, que adorava sair e também receber os amigos em casa, vai dando lugar a alguém que não se importa mais em cuidar da aparência física, que tem crises de choro aparentemente repentinas, que acorda em determinados dias sem forças para sair da cama, que passa a preferir ficar sozinha ao invés de rodeada de gente. E acompanhar esse processo dói. É angustiante demais. Dá vontade de arrancar a dor do outro com as mãos, mesmo sabendo que é impossível.

Ainda que você não tenha demorado a notar que havia algo errado, sempre vai se perguntar se não deveria ter notado um sinal antes. E, se você realmente demorou a aceitar que aquela pessoa estava doente, o peso da culpa vai te assombrar por algum tempo. É claro que detectar os sinais rapidamente é muito importante para evitar que a pessoa chegue ao fundo do poço, mas em muitos casos só isso não é o suficiente. É fundamental que você, ao invés de se martirizar por não ter feito nada antes, dedique-se a ajudar aquela pessoa a melhorar o quadro no qual ela se encontra, da maneira mais adequada ao acompanhamento que ela fará (mesmo que você ache o melhor jeito é outro. Siga SEMPRE as orientações dos especialistas envolvidos).

Alguns dias serão mais difíceis do que outros. Talvez você precise convencer aquela pessoa de que é necessário tomar banho e escovar os dentes, talvez tenha que arrastá-la para fora de casa para tomar um ar e é muito provável que precise brigar com ela algumas vezes para que ela vá ao médico ou continue o tratamento. Isso vai te irritar, vai te cansar, vai te fazer querer desistir e vai te deixar triste. Você vai sentir saudades daquela pessoa que conheceu lá atrás, que era independente e maravilhosa, mas precisa se lembrar que ela precisa de ajuda para voltar, pelo menos um pouquinho, a ser assim.

Também é necessário que você compreenda que a depressão é uma doença que consome as pessoas. Ela suga a energia, a motivação para fazer as coisas, para viver... Tudo vai perdendo um pouco o sentido. Para quem não tem pode ser muito difícil entender a falta de vontade de um depressivo. É difícil para eles começar uma reação, por mais simples que ela pareça. O cansaço que o doente sente é real, não é preguiça. A pessoa se sente esgotada, ainda que tenha dormido o dia inteiro. E isso é complicado de entender quando nunca se sentiu a mesma coisa. Pedir paciência para você, que está ali tentando ajudar alguém que parece não querer colaborar de propósito, parece injusto. Mas lidar com uma pessoa que tem depressão implica em realizar alguns sacrifícios, principalmente em relação à paciência.

Você vai sentir vontade de sacudir a pessoa e dizer: PELO AMOR DE DEUS, REAGE PORQUE DÓI DEMAIS TE VER ASSIM! E, acredite, ela já sabia disso antes mesmo de você abrir a boca, só que não consegue sozinha então você precisa continuar insistindo. Às vezes um choque de realidade ajuda a pessoa a sair da apatia, às vezes só piora as coisas, então vai ser necessário sim avaliar o momento certo de tomar uma determinada atitude.

Você vai lidar com o preconceito que envolve a doença junto com a pessoa. Ouvir comentários e piadas maldosos vai doer em você; quando vocês estiverem juntos em qualquer lugar, pessoas ignorantes vão te olhar diferente por estar com ela. Pode ser que você precise comprar remédios controlados para ela na farmácia e, em algum momento, vai ter alguém que te olhará com espanto ao ver a cor da tarja na caixinha. E todas as vezes que cada uma dessas coisas acontecerem, você tem o direito (e o dever!) de não se deixar levar pelo espírito de porco que fica no ar. Ajudar alguém a enfrentar a depressão é mais do que atender o telefone de madrugada e sair correndo para evitar que a pessoa se mate. Essas pessoas também precisam que você ajude disseminando informações e conhecimentos a respeito do que realmente acontece com quem sofre com esse problema; precisam que você repreenda aquelas piadinhas de mau gosto que surgirem na sua rodinha de amigos; precisam que você diga a elas e ao mundo que elas não são loucas e que não precisam se esconder enquanto fazem o acompanhamento.

Se você convive com alguém que tem depressão, precisa arranjar, todos os dias, um motivo novo para mostrar que a vida vale a pena e que aquela pessoa é sim importante para o mundo e para você. É árduo para os dois lados, mas desistir de alguém por causa da doença tem um efeito devastador. Pessoas com depressão veem muitos "amigos" e familiares se afastarem com o tempo, o sentimento de abandono total ou parcial é muito comum. Não contribua para isso.

E se você ficar na dúvida sobre estar fazendo o certo ou não, observe se tem agido por amor ou por obrigação. Se for obrigação, pare e repense. Se for amor, continue, porque isso faz toda a diferença.


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